A ABCR acaba de lançar uma carta de esclarecimento destacando a importância da ética e do compliance em patrocínios e doações realizadas por meio de leis de incentivo fiscal. A associação alerta sobre práticas ilegais que envolvem vantagem financeira indevida e ressalta a necessidade de as empresas patrocinadoras e doadoras cumprirem rigorosamente as normas para evitar riscos financeiros e reputacionais.
Profissionais da captação de recursos, responsáveis pela obtenção de patrocínios e doações, devem ser remunerados exclusivamente pelos serviços prestados ao seu contratante, conforme os parâmetros legais. Utilizar recursos de projetos incentivados para remunerar serviços prestados diretamente aos patrocinadores é uma prática ilegal e imoral.
A carta também aborda a necessidade de compliance rigoroso para garantir que serviços prestados a patrocinadores sejam pagos com recursos próprios das empresas e não com fundos destinados aos projetos incentivados.
O texto é assinado pelo diretor executivo da ABCR, Fernando Nogueira. Agradecemos aos associados dos GTs de Captação com Empresas, Direito e Cultura e Economia Criativa, que contribuíram com a produção. Confira abaixo a íntegra da carta.
ABCR – Associação Brasileira de Captadores de Recursos
Público-Alvo: Empresas patrocinadoras e doadoras
A ABCR – Associação Brasileira de Captadores de Recursos, que tem como objetivo promover, desenvolver e qualificar a atividade de captação de recursos no Brasil, especialmente no Terceiro Setor, volta a reforçar, após Alerta enviado em 2019, o risco de práticas que levam a vantagem financeira indevida ilegal nas doações e patrocínios incentivados, e traz as recentes atualizações de legislação nesse campo.
O profissional de captação de recursos para incentivos fiscais é a pessoa responsável por buscar patrocinadores e investidores para projetos e instituições diversas, por meio de leis de incentivo ao esporte, à cultura, fundos de direito (infância e idoso), Pronon e Pronas-PCD. Este profissional pode trabalhar como empregado ou como prestador de serviço da organização proponente dos projetos incentivados, e seus serviços podem incluir estudos de mercado, desenvolvimento de material comercial, criação de régua de relacionamento, e outras ações que fazem parte da estratégia de captação supracitada.
Em ambos os casos, ele presta um serviço ao proponente (organização ou empresa que propõe e executa o projeto aprovado na Lei) e, portanto, é remunerado por seu contratante. Há uma relação profissional entre ambas as partes, baseada em confiança, ética, responsabilidades e compromisso, assim como acontece na contratação de serviços advocatícios, contábeis, de comunicação, entre outros.
O captador será remunerado de acordo com o tipo de contrato, CLT ou PJ, podendo ser um valor mensal, um fixo pré-acordado ou um percentual de sucesso da captação. Quando remunerado com recursos dos projetos captados, a remuneração sempre deverá atender aos parâmetros e limites legais, já previstos, inclusive, na maioria das leis de incentivos, sejam federais, estaduais ou municipais.
Algo que todas essas leis de incentivo têm em comum é a premissa de que o valor pago ao captador por meio do projeto incentivado é previsto para uso exclusivo de pagamento pelo serviço prestado ao proponente, e jamais poderá ser usado para quaisquer tipos de serviços prestados à empresa incentivadora, inclusive os serviços relacionados a busca e seleção de projetos para seu apoio. O uso da verba de captação de recursos dos projetos incentivados para remuneração a empresas que prestem consultoria e serviços às empresas doadoras e patrocinadores é considerado vantagem financeira indevida ao investidor, o que pode levar a multas ou mesmo a perda do benefício fiscal que a empresa teria.
E é sobre isso que a ABCR quer se manifestar, auxiliando patrocinadores e investidores a cumprirem com as leis e normativas federais, estaduais e municipais, evitando riscos financeiros e reputacionais.
Para isso, é importante esclarecer quais são as formas de vantagem indevida mais comuns:
Uma das situações mais recorrentes se dá quando empresa patrocinadora ou doadora contrata um serviço para busca ativa de projetos a serem incentivados, podendo incluir processo de seleção, processamento de documentos necessários para que se faça um contrato, bem como uma supervisão das entregas do projeto durante sua execução, e tais serviços são erroneamente caracterizados como de captação de recursos para os donatários/patrocinados, e geralmente pago por eles com recursos do próprio projeto incentivado, ou seja, recursos públicos. Uma vez que essa remuneração acontece, parcial ou integralmente pelo projeto incentivado, está caracterizada vantagem indevida ao patrocinador/doador.
Importante ressaltar que tais serviços prestados ao investidor são legítimos e necessários, contribuem para o setor e afetam positivamente a sustentabilidade das organizações, uma vez que ajudam investidores a encontrarem projetos e organizações que compartilhem de seus valores. No entanto, é uma prestação de serviços feita ao patrocinador e, portanto, deverá ser remunerada por ele.
Outra situação de vantagem indevida ao patrocinador se dá quando, em seleções via plataformas digitais indicadas pelo patrocinador para inscrição de propostas, o proponente encontra, nos “termos e condições” de submissão, uma relação imposta e condicionante de contrato com uma empresa intermediária a qual deverá remuneração comissionada de captação de recursos, caso seu projeto seja selecionado para receber o aporte do investidor pessoa jurídica.
As práticas citadas têm prejudicado diretamente organizações culturais, esportivas e sociais, bem como os profissionais de captação de recursos contratados por elas. As coloca, uma vez que aceitem a condição, em uma situação de ilegalidade pela qual poderão ser denunciadas e punidas. Mas coloca também a empresa patrocinadora em delicada situação de risco, tanto financeiro quanto reputacional, impactando inclusive em sua licença social para operar. Afinal, a sociedade compreende como prática não só ilegal, mas imoral o uso de recursos públicos para pagamento de serviços privados.
Cabe ressaltar que os serviços de captação prestados por empresas especializadas contratadas por empresas incentivadoras, cooperativas, associações, institutos ou fundações empresariais para captação de recursos com doadores pessoas físicas, muitas vezes via plataformas e sistemas, entre outras ferramentas e táticas, não se enquadra nas práticas relatadas acima, uma vez que, nesse processo, o serviço de captação junto a centenas ou milhares de doadores pessoas físicas é, de fato, executado.
Para que tais práticas, repudiadas pela ABCR e condenadas pelos órgão de controle, sejam evitadas, recomendamos alguns cuidados que devem fazer parte das medidas de compliance dos investidores:
A EMPRESA PATROCINADOR/DOADOR que contactar e contratar uma empresa/agência para lhe prestar serviços de busca ativa e seleção de projetos, gestão de documentos acompanhamento do projeto e cumprimento das contrapartidas, entre outros serviços afins, deve remunerar integralmente tais serviços com recursos próprios.
É importante que o PATROCINADOR/DOADOR garanta, por meio de medidas de compliance, que a empresa/agência que intermediou o contrato de patrocínio por sua demanda, não esteja sendo remunerada, mesmo que parcialmente, pela rubrica de captação de recursos do proponente, uma vez que a lei coloca o PATROCINADOR/DOADOR como corresponsável no caso de qualquer ilegalidade.
O PATROCINADOR/DOADOR deve respeitar a escolha do proponente quanto ao profissional captador de recursos com o qual ele escolheu trabalhar, o considerando como representante legítimo da organização. Assim, garantirá que, além de apoiar o projeto da organização que quer beneficiar, garanta a legalidade desse investimento em todos os aspectos.
Cabe ressaltar ainda que há um evidente conflito de interesses na prestação de serviços à empresa patrocinadora, com remuneração advinda do proponente: se a remuneração desse profissional ou empresa intermediadora depende de percentual do projeto selecionado, quando o projeto não prevê ou não tem mais esse recurso ou se recusa a remunerar atento às questões de vantagem indevida, então deixa de ser interessante para este profissional apresentá-lo ao investidor, mesmo que o projeto vá ao encontro dos interesses e valores do patrocinador. Há um evidente conflito de interesses e um risco de que profissionais de baixo padrão ético atuem colocando seus interesses acima dos de seu cliente (o patrocinador/doador).
O que está posto nas leis, decretos e normativas:
Muitas leis sobre o uso de recursos públicos tratam da vantagem financeira indevida, mas talvez uma das que expressam mais claramente o nosso propósito seja a Lei Federal que institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) Lei nº 8.313/1991 – conhecido como Lei Rouanet – e o Decreto nº 11.453, de 23 de março de 2023, que dispõe sobre os mecanismos de fomento do sistema de financiamento à cultura. Citaremos também a Lei de Incentivo ao Esporte, Lei nº 11.438, de 29 de dezembro de 2006.
Seguem alguns trechos relativos à questão explicitada:
Lei 8.313/1991 no seu artigo 23:
§1º – Constitui infração a esta Lei o recebimento pelo patrocinador, de qualquer vantagem financeira ou material em decorrência do patrocínio que efetuar.
Decreto Nº 11.453, de 23 de março de 2023, art. 55
Art. 55. As despesas relativas aos serviços de captação dos recursos, no âmbito do mecanismo de incentivo fiscal, para a execução de programas, projetos e ações culturais aprovados no âmbito da Lei nº 8.313, de 1991, serão detalhadas em planilha de custos, observados os limites e os critérios estabelecidos em ato do Ministro de Estado da Cultura.
Parágrafo único. É vedado o uso de rubricas de captação de recursos para pagamento por serviços de consultoria, assessoria técnica ou avaliação de projetos prestados diretamente aos patrocinadores.
Instrução Normativa MINC Nº 11 de 30 de janeiro de 2024:
Art. 10
§ 3º A remuneração pela captação de recursos é exclusiva para prestação de serviço diretamente ao proponente, sendo vedada a remuneração de serviços prestados diretamente ao incentivador.
Art. 50
§ 4º Verificados indícios de vantagem financeira ou material ao incentivador durante a execução do projeto, o proponente será diligenciado para que apresente esclarecimentos em até 20 (vinte) dias, sob pena de imediata suspensão do projeto, bem como da aplicação das sanções do art. 30 da Lei nº 8.313, de 1991.
Lei 8.313 de 1991
Art. 30. As infrações aos dispositivos deste capítulo, sem prejuízo das sanções penais cabíveis, sujeitarão o doador ou patrocinador ao pagamento do valor atualizado do Imposto sobre a Renda devido em relação a cada exercício financeiro, além das penalidades e demais acréscimos previstos na legislação que rege a espécie (grifo nosso).
Lei Nº 11.438, de 29 de dezembro de 2006.
Art. 10. Constituem infração aos dispositivos desta Lei:
I – o recebimento pelo patrocinador ou doador de qualquer vantagem financeira ou material em decorrência do patrocínio ou da doação que com base nela efetuar;
II – agir o patrocinador, o doador ou o proponente com dolo, fraude ou simulação para utilizar incentivo nela previsto;
III – desviar para finalidade diversa da fixada nos respectivos projetos dos recursos, bens, valores ou benefícios com base nela obtidos;
(…)
Art. 11. As infrações aos dispositivos desta Lei, sem prejuízo das demais sanções cabíveis, sujeitarão:
I – o patrocinador ou o doador ao pagamento do imposto não recolhido, além das penalidades e demais acréscimos previstos na legislação;
II – o infrator ao pagamento de multa correspondente a 2 (duas) vezes o valor da vantagem auferida indevidamente, sem prejuízo do disposto no inciso I do caput deste artigo.
Parágrafo único. O proponente é solidariamente responsável por inadimplência ou irregularidade verificada quanto ao disposto no inciso I do caput deste artigo.
Os Fundos de Direitos da Criança e Adolescente e do Idoso, tem regimentos próprios em cada município ou estado, citando ou não a questão, já que cabe a cada ente modernizar seus regulamentos. Muitas leis estaduais de incentivo também têm incluído em suas normativas a questão da remuneração de captação devida ao prestador de serviço escolhido pelo proponente. Embora nem todas as leis já abordem o assunto de forma clara, entende-se que cada instância tem sido cobrada, com mais frequência, pelos órgãos de controle, e logo haverá maior consonância entre elas.
Todos esses fatos expostos acima demonstram que há um risco reputacional para as empresas patrocinadoras quando lidam desta forma com a sua seleção de projetos, tanto pela ilegalidade, quanto pelo conflito de interesses do agente selecionador de propostas, e por isso nos dispusemos a esclarecer as diferenças de formas de atuação e a importância de que sua empresa, dentro das melhores práticas de governança, esteja atenta e siga as determinações legais. As leis de incentivo existem justamente para promover uma maior integração entre empresas e sociedade, dando visibilidade às marcas e promovendo um relacionamento positivo com suas comunidades, mas para isso é preciso observar todos os critérios, normas e regras a serem cumpridas para o perfeito uso desses mecanismos, com o cuidado e atenção que qualquer incentivo fiscal merece e precisa.
A ABCR – Associação Brasileira de Captadores de Recursos é uma organização sem fins lucrativos composta por captadores e mobilizadores de recursos e que tem como principal objetivo estabelecer uma ampla rede nacional, fortalecendo os laços entre os profissionais que atuam na área e propiciando condições para o intercâmbio técnico, a troca de experiências e o desenvolvimento comum da profissão.
Criada em 1999, a ABCR tem como missão promover, desenvolver e qualificar a atividade de captação de recursos. Entre suas principais metas, destacam-se a de trabalhar para assegurar a credibilidade e representatividade da profissão, apoiar, indiretamente, organizações sociais e culturais, na importante tarefa de construir uma sociedade mais justa, e buscar um ambiente favorável para que a doação e captação de recursos aconteçam de forma exitosa.
E é nessa perspectiva, embasada por seu Código de Ética e Padrões da Prática Profissional do Captador de Recursos, que visamos, por meio desse documento, esclarecer e orientar empresas investidoras sociais sobre o papel do profissional de captação de recursos quando se trata de doações e patrocínios realizados por meio de leis de incentivo fiscal sejam federais, estaduais e/ou municipais.
Da nossa parte, colocamo-nos à disposição para esclarecer mais sobre o tema, naquilo que se fizer necessário.
Cordialmente,
Fernando do Amaral Nogueira
Diretor Executivo
Associação Brasileira de Captadores de Recursos
www.captadores.org.br