Em uma cerimônia realizada no Congresso Nacional, foi oficialmente lançada a Frente Parlamentar Mista em Defesa das Organizações da Sociedade Civil (FPOSC). O evento contou com a presença de deputados, senadores, ministros e representantes de diversas organizações da sociedade civil. Incentivada por organizações como ABCR, ABONG, Aliança pelo Fortalecimento da Sociedade Civil, Confoco, ELO Ligação e Organização, GIFE e a Plataforma MROSC, a Frente Parlamentar pretende receber sugestões e reivindicações do terceiro setor, permitindo sua influência nas decisões legislativas para o segmento.
Em sua fala de abertura, o deputado federal Reimont, presidente da frente parlamentar, destacou a relevância das OSCs, que hoje somam cerca de 800 mil em todo o Brasil. “As organizações da sociedade civil são instituições essenciais à democracia brasileira. Atuam como manifestação política da cidadania, atendendo demandas sociais em áreas como saúde, educação, meio ambiente e direitos humanos”, afirmou.
O ministro Márcio Macedo, Ministro de Estado da Secretaria-Geral da Presidência da República, destacou a importância da colaboração entre governo e OSCs para o desenvolvimento social e econômico do país. “As organizações respondem por 4,3% do PIB, superando setores como o de fabricação de automóveis. Além disso, geram 5,8% dos postos de trabalho formais no país”, apontou. O ministro também destacou a retomada de parcerias entre o governo federal e as OSCs, com mais de 4.000 projetos firmados em 2023, totalizando R$ 6,3 bilhões em investimentos. Para Macedo, o momento exige a união de esforços. “Estamos vivendo uma quadra em que os valores civilizatórios da igualdade, liberdade e justiça social estão sendo disputados com o autoritarismo, o preconceito e o ódio. As OSCs são fundamentais para enfrentar essa batalha”.
Fernando Nogueira, diretor executivo da ABCR, ressaltou que o cenário atual das organizações é “extremamente desafiador” e não se limita ao Brasil, apontando que a dificuldade para a atuação das OSCs é uma questão global. Na América Latina, ele apontou restrições recentes em países como Paraguai, Peru, Argentina, Venezuela, Guatemala e Nicarágua, além de citar o caso dos Estados Unidos, onde tramitam medidas que, segundo ele, podem “facilitar a perseguição de organizações e seu fechamento ou tirar vários direitos fiscais em comum”.
No Brasil, embora a retórica de desconfiança e criminalização das OSCs exista, Nogueira avalia que ainda há espaço para diálogo. “Apesar dos esforços aqui muito importantes já mencionados de governo, de várias secretarias e ministérios, há uma égide de criminalização burocrática muito forte”, alertou. Outro ponto crítico levantado pelo diretor foi a relação da sociedade brasileira com as OSCs. “A gente precisa reconhecer uma outra dificuldade pela população, que é a desconfiança. O Brasil, infelizmente, é um país em que a gente vê pouca confiança [nas OSCs] de forma geral”.
Fernando Nogueira defendeu o papel fundamental da Frente Parlamentar de Defesa das Organizações da Sociedade Civil no fortalecimento do setor. Para ele, a Frente deve atuar para “garantir as liberdades básicas democráticas, incluindo as nossas liberdades civis e de associação”. Além disso, ele mencionou a necessidade de aprimorar incentivos fiscais, práticas de parcerias com o governo, reforma tributária e o funcionamento das emendas parlamentares destinadas às OSCs.
Uma proposta específica apresentada foi a criação de uma lei nacional para o Dia de Doar, movimento global que promove a cultura da doação. “A gente espera que, em conjunto com o governo, sociedade civil e parlamento, a gente possa promulgar também uma grande lei nacional do Dia de Doar, favorecendo cada vez mais essa importante forma de demonstrar apoio, que é através da doação”, explicou. Ele concluiu sua fala com a expectativa de que a Frente Parlamentar possa “captar cada vez mais aliados dentro e fora do Congresso, para que a gente tenha uma sociedade civil forte, atuante, capaz de promover um Brasil mais solidário e muito menos desigual”.
Durante o evento, a deputada Érika Kokay enfatizou a necessidade de reforçar a participação social. “As OSCs são a força da nossa sociedade. São elas que levam água, alimento, acolhimento e educação para os lugares onde o Estado muitas vezes não chega”, disse. Kokay também defendeu a radicalidade democrática por meio do fortalecimento dos conselhos participativos e do orçamento público. Já Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental e Observatório do Clima, alertou sobre os ataques sofridos pelo setor nos últimos anos. “A criminalização da sociedade civil tem sido uma estratégia para enfraquecer a luta por direitos, especialmente no contexto de emergência climática”.
Já o diretor executivo da ABONG, Henrique Botelho, destacou o papel essencial das organizações da sociedade civil na execução de políticas públicas fundamentais no Brasil, como o Sistema Único de Saúde (SUS) e a assistência social. Ele enfatizou que, sem essas organizações, muitos serviços essenciais simplesmente não existiriam. “Somos nós que temos que lidar com as externalidades negativas, que é a palavra bonita para os impactos negativos que o sistema econômico gera”, explicou, mencionando questões como pobreza, fome e desigualdade. Botelho também frisou que as organizações da sociedade civil não existem apenas para executar políticas públicas, mas para propor soluções inovadoras para problemas estruturais, muitas vezes antes do Estado. Ele citou exemplos como as cisternas no semiárido e o microcrédito, que começaram como iniciativas da sociedade civil e se tornaram políticas públicas posteriormente.
Outro ponto central de sua fala foi o papel das OSCs na defesa da democracia e no questionamento de governos, independentemente de suas inclinações políticas. “Nós existimos, sobretudo na minha concepção, para imaginar um futuro que nem existe ainda. […] É fundamental a existência de organizações da sociedade civil para a democracia do país”, afirmou. Ele destacou ainda que o cenário no Congresso Nacional continua sendo majoritariamente desfavorável às pautas de justiça social e às políticas públicas, sendo marcado por uma visão conservadora e negacionista.
Para Botelho, a Frente Parlamentar Mista é uma ferramenta estratégica para fortalecer as OSCs, mobilizar aliados no Congresso e resistir às tentativas de limitar a autonomia do setor. Ele enfatizou a importância de um esforço conjunto para garantir uma agenda ativa e um calendário de trabalho. “Não é uma responsabilidade exclusiva do coordenador ou da coordenadora da Frente. […] Cabe a nós também, organizações da sociedade civil e suas redes, fazermos com que a Frente tenha uma atividade, tenha uma agenda, tenha um plano de trabalho”, explicou.
O diretor da Abong concluiu reafirmando a relevância das OSCs para o país e convocou as organizações a se manterem unidas e mobilizadas. “Uma frente parlamentar é um instrumento e é uma aliança importante para nós dizermos que nós estamos aqui, que temos voz e que somos importantes para esse país também”, finalizou.
Entre os temas prioritários da frente parlamentar estão o fortalecimento das OSCs, a simplificação da burocracia, a segurança jurídica e a promoção de uma cultura de doação no Brasil. A necessidade de reduzir os entraves burocráticos que dificultam o acesso das OSCs a recursos públicos, especialmente para organizações menores, foi um dos pontos destacados. A reforma tributária foi outro tema central, com foco na garantia de imunidade e isenção tributária para doações destinadas às OSCs, além de medidas para reduzir os custos operacionais das organizações. Além disso, foi debatido o fortalecimento de conselhos de participação e a ampliação da democracia participativa como ferramentas essenciais para a formulação de políticas públicas que integrem as OSCs.
A íntegra do evento de lançamento está disponível no canal da Câmara dos Deputados no Youtube.