Na continuidade das comemorações dos 25 anos da ABCR, entrevistamos Célia Cruz, que foi vice-presidente da associação ao lado de René Steuer, presidente durante o período de 2015 a 2018. René, que faleceu em 2020, é lembrado por sua dedicação ao setor e à ABCR. Célia, que também esteve presente na fundação da associação em 1999, compartilha as conquistas e os desafios dessa importante fase de transição e fortalecimento.
Célia tem uma longa trajetória no terceiro setor e na ABCR, desde sua fundação. “Ajudei a criar a ABCR em 1999, quando um grupo de captadores de recursos e eu, que era captadora da Fundação Getúlio Vargas, fomos a uma conferência internacional da AFP, a Associação de Fundraising Professionals, e decidimos que precisávamos de uma organização semelhante no Brasil”, conta ela.
Em 2015, Célia foi convidada por René para assumir a vice-presidência da ABCR. Ela descreve o contexto da época como um momento fundamental para a profissionalização do setor de captação de recursos no Brasil. “Quando criamos a ABCR, muito poucas organizações tinham um captador de recursos profissional. Uma das grandes conquistas da ABCR foi justamente acreditar na importância de profissionalizar o setor”.
Durante a gestão de René e Célia, a ABCR alcançou avanços significativos, consolidando sua presença e seu impacto no setor. Célia destaca uma série de projetos que foram fundamentais para o crescimento da associação. Entre eles, a revisão do Estatuto da ABCR e a criação de núcleos regionais em várias partes do Brasil, como Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo.
Além disso, ela aponta a importância do Código de Ética da ABCR, que foi rediscutido durante sua gestão. “O Código de Ética é um balizador fundamental, especialmente porque define que o captador de recursos não deverá receber comissionamento pela sua prática, pois ele capta para a missão da organização, e não para ganhar um percentual do valor arrecadado.”
Outra conquista relevante foi a expansão do Festival ABCR, que, em 2015, tornou-se financeiramente sustentável, passando a ser uma fonte de receita importante para a associação. Célia menciona que esse foi o último ano em que o festival teve prejuízo, e, a partir de então, tornou-se uma fonte de receita para a associação. “Com um ano de trabalho pela frente, o Festival se tornou uma fonte de receita para a ABCR, algo muito importante para sua sustentabilidade”.
A gestão também fortaleceu a campanha #diadedoar no Brasil, uma iniciativa do movimento global GivingTuesday, e promoveu o Censo ABCR, que mapeia os profissionais de captação de recursos e orienta organizações sobre o perfil desses profissionais.
Célia compartilha uma memória que reforça a importância do Código de Ética. Ela relembra uma conversa com um diretor do Banco Itaú enquanto captava recursos para a biblioteca da Fundação Getúlio Vargas. “Ele me perguntou quanto eu recebia de comissionamento. Quando expliquei que não recebia nada, que minha alegria era pela causa para a qual eu estava captando, ele ficou muito feliz e quis disseminar esse código de ética para todas as ONGs que o banco apoiava”.
Essa história ilustra o impacto positivo de uma captação de recursos ética, baseada na missão das organizações e não em incentivos financeiros individuais. Para Célia, essa foi uma das contribuições mais significativas da ABCR para o fortalecimento do terceiro setor no Brasil.
Célia ressalta que um dos maiores desafios da gestão foi a transição da ABCR, que até então operava com uma equipe voluntária, para uma organização mais estruturada, com um profissional remunerado atuando em tempo integral. “Fazer o salto do voluntariado para uma organização com equipe remunerada foi um grande desafio. Foi um passo essencial para o crescimento da ABCR”. Ela também menciona o papel fundamental de René nesse processo, ao garantir que a associação buscasse financiamento para se sustentar e expandir suas atividades.
Ao refletir sobre a evolução da ABCR, Célia destaca a importância da profissionalização do terceiro setor no Brasil ao longo dos últimos 30 anos. “A profissionalização foi fundamental para termos uma democracia baseada em uma sociedade civil organizada e fortalecida. E os captadores de recursos desempenham um papel vital ao viabilizar a missão e o impacto das organizações”.
Ela também aponta que a ABCR tem sido uma peça-chave no fortalecimento da captação de recursos no Brasil, oferecendo capacitação, estrutura e uma rede de apoio para os profissionais do setor.
Para o futuro da ABCR, Célia acredita que o foco deve continuar sendo a profissionalização e a expansão da associação, tanto em termos de número de associados quanto na sua atuação em advocacy, defendendo pautas relevantes para o setor, como reforma tributária e impostos sobre herança. Ela deixa um conselho importante para as futuras lideranças da ABCR: “Minha sugestão é continuar profissionalizando e buscando mais associados, fortalecendo todas as organizações da sociedade civil”.
Em celebração aos 25 anos da ABCR, Célia destaca o papel das organizações da sociedade civil na manutenção de uma democracia saudável. “Para que a democracia possa florescer, precisamos de uma sociedade civil organizada e estruturada. As ONGs são um pilar essencial dessa democracia e o fortalecimento delas deve ser uma prioridade”.