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ABCR entrega carta ao Ministério da Cultura com propostas para melhorias nos procedimentos da Lei Rouanet

A ABCR – Associação Brasileira de Captadores de Recursos reuniu-se na tarde do dia 28, em Brasília, com o Secretário de Fomento e Incentivo à Cultura, do Ministério da Cultura (MinC), Carlos Paiva. Suellen Moreira, coordenadora do grupo ABCR Cultura, que reúne os profissionais e organizações da sociedade civil que captam e desenvolvem projetos na área cultural, e o vice-coordenador, Marcelo Carneiro, entregaram ao Secretário uma carta em que a ABCR apresenta sugestões de melhorias nos procedimentos atuais de incentivo fiscal via Lei Rouanet.

A entrega da carta proporcionou um debate bastante produtivo da ABCR com o Ministério, e o resultado dessa conversa será publicado aqui nos próximos dias, trazendo inclusive as respostas do MinC em relação às demandas apresentadas.

Leia abaixo a carta entregue ao Ministério, na íntegra. Para entrar em contato com o grupo ABCR Cultura, é só escrever para cultura@captacao.org.

* * *

Brasil, 28 de julho de 2015

Ao Sr. Carlos Paiva
Secretário de Fomento e Incentivo à Cultura
SEFIC
Ministério da Cultura

Nos últimos cinco anos a variação do investimento via Lei Rouanet tem sido muito pequena, com um máximo de R$1,45 Bi em 2010 e mínimo de R$1,30 Bi em 2012. O número de empresas investindo também não varia muito, com uma média de 3.499 investidores pessoa jurídica por ano, a variação entre o ano com menor e maior número de investidores não passa de 5%.

Com essa estabilidade dos investimentos e da maioria dos investidores, a dificuldade para um novo projeto conseguir patrocínio vem aumentando, e a situação se agrava quando se trata de projetos sem apelo comercial ou que não ofereçam visibilidade ao patrocinador. O cenário pode ser mais difícil ainda para proponentes fora da região Sudeste.

Nesse cenário, proponentes de todo o país tem visto na captação com pessoas físicas uma saída para a captação de recursos de seus projetos. Ao mesmo tempo, empresas perceberam que podem ampliar sua atuação ao motivarem e criarem meios para que seus colaboradores se tornem doadores, como o projeto Eu Faço Cultura da Caixa, ou o Instituto Unimed, que apoiou 28 projetos com R$9,1 milhões captados em 2014. Algumas organizações culturais já se dedicam a programas assim há algum tempo, como o Instituto Inhotim, a Pinacoteca de São Paulo, a OSESP, o Grupo Galpão, entre outros que assinam essa carta. E embora todos queiram aproveitar esse enorme potencial, as dificuldades operacionais são desestimulantes.

Há dez anos atrás, pouco mais de 3 mil pessoas fizeram doações via Lei Rouanet. No ano passado, foram 9.890 doações e, no ano recorde, 2010, foram quase 20 mil doações individuais. Embora o número tenha tido crescimento, ainda representa muito pouco diante do potencial da sociedade brasileira para o financiamento da cultura.

Se considerarmos que, segundo últimos dados obtidos da Receita Federal, o imposto de renda devido pelos contribuintes que usam o modelo completo da declaração foi equivalente a R$71,46 Bilhões no ano de 2012, o potencial de arrecadação, considerando 6% do IR devido no mesmo ano, seria superior a R$4 bilhões. No entanto, as doações daquele ano somaram menos de 1% desse potencial.

Ao mesmo tempo que esses números demonstram uma realidade muito aquém das possibilidades do financiamento da cultura por indivíduos, ela é extremamente motivadora para que se invista tempo, dinheiro e esforço para uma mudança de cenário. E essa mudança reduz a dependência dos proponentes das grandes empresas ao mesmo tempo que é capaz de descentralizar o investimento, já que os doadores pessoas físicas investem em projetos de suas comunidades.

Sabemos que essa parcela de 6% disputa espaço com outras leis de incentivo, mas ainda assim, é um número altamente representativo e que não pode ser ignorado ou desperdiçado.

Diante de todo esse potencial e com vários esforços pelo país para se financiar projetos com essa estratégia, a forma como as doações são tratadas hoje pelo Ministério da Cultura e pela Receita Federal ainda geram um cenário de insegurança, que diversas vezes prejudicou as relações entre doadores e instituições proponentes.

Esse ofício tem como principal objetivo solicitar a SEFIC melhorias nos processos internos do Ministério relacionados ao processamento das doações de pessoas físicas. Com algumas soluções simples, o MinC já estará contribuindo para que as organizações culturais avancem em seus programas de captação de recursos com indivíduos.

E não há exemplo melhor do papel de fomento e incentivo à cultura do que proporcionar oportunidades reais de financiamento dos projetos aprovados de uma forma descentralizada e democrática.

Abaixo uma lista de processos e sugestões de melhorias:

1. Envio da DBF para a Receita Federal

A DBF – DECLARAÇÃO DE BENEFÍCIOS FISCAIS é o documento repassado pelo Ministério da Cultura à Receita Federal, com a relação de todos os incentivos realizados por pessoa física dentro do exercício fiscal. Esse documento é processado pelo Sistema da Receita Federal, que permite ao contribuinte ter o reconhecimento de sua doação no momento da realização da Declaração do Imposto de Renda –IR.

Situação atual: O MINC tem até o dia 30 de março para enviar a DBF, documento que lista todas as doações de pessoas físicas informadas pelos proponentes. O MinC tem enviado essa DBF no prazo, ou seja, antes do fim de março. No entanto registramos diversas queixas de contribuintes que não tiveram seu incentivo reconhecido pelo Sistema da Receita ao realizarem a declaração de IR, mesmo o MINC confirmando a presença do CPF na DBF enviada para a Receita.  Nossa experiência nos leva a deduzir que a inconsistência se dá porque existe um gap entre o recebimento da DBF e o prazo que a Receita tem para processar as informações. Esse tipo de situação é extremamente prejudicial para viabilização e credibilidade dessa política pública.  A situação gera dois problemas:

a) O processamento da DBF pela Receita Federal nos permite ter os dados cruzados e as informações inseridas no sistema. Não é porque a DBF foi enviada que a Receita Federal a processou. Ao chegar no setor responsável pelo processamento dentro da Receita Federal, podem se passar semanas até que o documento entre no sistema que vai cruzar os dados com as declarações de IR.

b) Com o envio sendo feito no final do mês de março, os contribuintes que enviam suas declarações no início do período não terão as doações identificadas pelo sistema da Receita Federal, gerando uma incompatibilidade entre a doação informada pelo contribuinte e a informação que a Receita detém, colocando esses contribuintes em situação irregular.

Solução Sugerida: O MINC pode atuar de duas formas na solução desse problema, uma ação interna operacional, e outra de articulação com a Receita Federal, como segue abaixo:

a) O envio da DBF a Receita Federal pela SEFIC deve ser anterior ao dia 1° de março, quando é aberto o período de envio das declarações de IRPF, evitando que as doações informadas pelos contribuintes não estejam ainda nos registros da Receita.

b) O processamento dessa DBF pela Receita deve ser imediato, assim que o arquivo é enviado pelo MINC. Esse fluxo de processamento imediato deve ser cumprido com rigor pois a  ação da SEFIC de enviar a DBF antes de março perde o sentido se a Receita demorar a acionar o processamento da informação.

Mensagem de Inconsistência da Receita Federal

O processo relatado acima gera, quando a doação não está identificada pelo sistema da Receita Federal, uma mensagem para o contribuinte.  Ao declarar a doação que ainda não foi processada pela Receita, a seguinte informação aparece:

“Possível inconsistência na dedução do incentivo.

O valor de dedução de incentivo que foi informado na sua declaração não foi informado pelas entidades beneficentes a Receita Federal. ”

Ao ver essa mensagem o contribuinte é levado a pensar que houve uma falha do proponente, e que ele pode até ter sido enganado quanto ao incentivo fiscal. Embora o problema seja de solução simples, leva-se um tempo considerável e, durante esse período o doador compartilha com seus colegas o problema, desmotivando outros a fazerem esse tipo de doação. A situação se agrava quando o programa de captação acontece dentro de empresas, institutos e cooperativas, onde o público é formado por colaboradores que se conhecem. A propagação da informação negativa é rápida e tem consequências que podem desmantelar a continuidade da ação. Um doador perdido é muito difícil de recuperar e sempre leva outros com ele.

Solução Sugerida: O MINC poderia agir junto à Receita Federal para que haja uma mudança na redação da mensagem. O texto deve deixar claro que as deduções estão sendo processadas e que isso pode gerar uma inconsistência temporária. Mesmo que a DBF seja processada a tempo, sabemos que há correções e que o processo manual de lançamento da SEFIC é passível de erros. Logo, essa mensagem que inadvertidamente culpa o proponente por uma inconsistência, deveria ser alterada.

3. Problemas na Inserção de Dados no SALIC

Atualmente, o processo de lançamento dos dados dos recibos de mecenato pela SEFIC é feito de forma manual. Cada vez que um indivíduo faz pela primeira vez uma doação, seu nome, CPF e valor doado são digitados por um funcionário da SEFIC no SALIC. O processo por si só, por ser humano, é passível de erros. E os erros são frequentes:

a) Nomes e CPF ligados a valores diferentes dos doados;

b) Duplicidade de registro de doação;

c) Datas de doações registradas erradas

d) Doação de um contribuinte relacionada ao CPF de outro

e) Acúmulo de doações de anos anteriores no ano corrente, multiplicando o valor realmente doado no ano calendário

f) Demora excessiva no registro das doações em cada PRONAC, etc.

Os erros geralmente são descobertos pelos proponentes mais atentos ao se fazer a conferência na lista divulgada no SALIC, e sempre exigem do Proponente provar o erro, muitas vezes indo pessoalmente a Brasília. Além de trabalho e despesa para o proponente, o erro pode fazer com que o doador caia na malha fina da Receita Federal, e nunca mais volte a usar da lei de incentivo.

Solução Sugerida: No Ministério do Esporte, o processo é realizado em parceria com o Banco do Brasil, responsável pelo recebimento de todas as doações. O Banco do Brasil ao reconhecer o valor doado, realiza automaticamente a geração do recibo e remete um arquivo para processamento do   Ministério do Esporte para registro das doações. Assim, não há um funcionário digitando manualmente os dados e os erros são minimizados. Sugerimos que o MINC busque usar solução similar, fazendo os ajustes necessários para que isso seja possível.

4. Geração de Recibos de Mecenato

A responsabilidade de geração do recibo de mecenato é, em acordo com as determinações da normativa, integral do proponente, devendo seguir um modelo do MINC, com uma numeração por ordem de depósitos e gerar três vias originais do recibo, que devem ser enviadas para cada doador e para o próprio Ministério. Temos o processo como:

a) Dispendioso para o proponente, que deve enviar cada lote de recibos ao MINC por Correios, com registro, em prazo curto e para cada doador.

b) Inseguro em termos de controle da numeração, especialmente se o programa de captação tem ações online ou movimenta muitas doações em curto período de tempo.

c) Altamente passível de erros, já que a maioria dos proponentes precisa preencher manualmente os recibos de acordo com as doações identificadas.

Solução sugerida:  Temos ciência de que o Ministério da Cultura vem desenvolvendo um módulo do SALIC capaz de emitir os recibos automaticamente, tirando essa responsabilidade e custo do proponente. Hoje, o Ministério do Esporte já emite os recibos automaticamente para que o PROPONENTE faça o download e envie aos doadores. Nossa proposta é que tanto proponente quando doador possam fazer o download do recibo do Salic, evitando custos desnecessários e erros humanos.

5. Falta de conhecimento pelos Gestores Locais do Banco do Brasil

É comum perceber que os gerentes locais do Banco do Brasil não conhecem o processo de doações via Lei Rouanet e não estão preparados para solucionar problemas que muitas vezes são gerados nas contas de captação.

É mais comum do que deveria que a conta captação aberta não tenha a configuração correta para receber os depósitos identificados, ou transferências eletrônicas de pessoas físicas ou jurídicas. Quando isso acontece, um estorno é gerado e o envio do incentivo ao projeto é impedido. Um gerente local tem meios de alterar a configuração, mas não tem conhecimento do processo de abertura da conta pelo MinC e, portanto, não o faz. Cabe a instituição proponente buscar ajuda do Ministério, que tem que entrar em contato com o Banco do Brasil do Governo para pedir solução. Na maioria das vezes, quando a solução é dada, o doador desistiu ou o prazo de doação já passou.

Solução sugerida: o MinC deve solicitar ao Banco do Brasil do Governo que seja  emitido um protocolo prevendo problemas e soluções para este tipo de parametrização de cedente de contas bancárias de projetos culturais, e que todo gerente local tenha acesso a esse protocolo.

6. Atendimento da SEFIC

Reforçando a importância estratégica da captação de recursos pessoa física para o setor cultural em nosso país, o atendimento da SEFIC é um dos pontos chave para o seu fortalecimento. É importante a SEFIC estar consciente e sensibilizada sobre o processo e importância da doação por pessoas físicas e não dedica atenção suficiente aos problemas. Essa dificuldade nos atendimentos vem levando a perda de captações por problemas que deveriam receber atendimento eficaz e pronta solução de problemas, impactando negativamente em uma construção de relevância no cenário cultural.

As consequências de um erro que leve a desistência de um contribuinte são sempre multiplicadas e interferem negativamente em todo o processo construído até ali. Um doador pessoa física se importa muito mais com um erro pequeno no processo do que uma empresa que doa milhões de reais todos os anos.   Além do mais, se nossa intenção é que proponentes pequenos, de todas as regiões do país, possam usar dessa estratégia de captação, o MINC deve ter preparo para não exigir que proponentes se percam no procedimento da captação de recurso junto a pessoa física, garantindo aos mesmos os serviços e suporte necessário para que deem fechamento a toda a ação e evitem, por exemplo, o deslocamento até Brasília para provar que houve uma falha no processo interno do MinC.

Solução sugerida: Palestras da ABCR Cultura para sensibilização da equipe da SEFIC quanto a importância e os problemas mais comuns enfrentados por quem opta por essa estratégia de captação com indivíduos. Treinamento da equipe pelo MinC e definição de um responsável especialista pelo assunto dentro da Coordenação de Acompanhamento e Execução de Projetos.

ABCR – Associação Brasileira de Captadores de Recursos