
Era uma vez uma jovem, no auge dos seus 22 anos, formada em administração de empresas, área que escolheu porque não sabia bem o que fazer, bem empregada em uma grande corretora de valores, com uma carreira promissora na área financeira. Curiosa, buscando sempre aprender algo novo, conhecer pessoas e lugares e com a certeza de que tudo dá certo no final, sentia que precisava de algo mais. Nos dias de hoje falamos de propósito.
Naquela época, uma grande amiga estava planejando ir morar nos EUA para aprender inglês e meus pais me deram a oportunidade de ir também. Na corretora falaram, se sair, não volta mais. E adivinha? Eu fui. Nos EUA, estudei inglês e conheci pessoas do mundo inteiro, descobri uma paixão: pessoas. Ouvir histórias de quem são, das origens, dos costumes, conhecer gente diferente, diversa, não ter que seguir padrões, olhar o mundo com novas perspectivas. Quando voltei, ainda não sabia o que queria fazer, mas já sabia o que não queria, um grande avanço.
Naquele tempo, a busca de empregos ainda era realizada pelos classificados aos domingos nos jornais impressos. Um dia apareceu um anúncio de uma vaga para gerente financeiro de uma empresa que trabalhava com meio ambiente. Achei que não tinha a experiência necessária, mas minha tia que trabalhava com RH e estava me ajudando na recolocação, enviou meu CV mesmo assim. E me chamaram para a entrevista. Foi uma experiência bem louca. Não era uma empresa era uma ONG, algumas perguntas eu não entendia o espanhol e os entrevistadores debatiam entre eles sobre a relevância da pergunta e se eu deveria ou não responder, bem diferente de tudo o que já tinha participado e é lógico que eu amei. O lugar, as pessoas, era tudo autêntico, me senti em casa. Quando sai, liguei para a minha tia para agradecer e disse: não sei como fui, mas uma coisa é certa, caso me chamassem, ali era o meu lugar.
E assim comecei a minha jornada no 3º setor, como gerente financeira. Minha família achou estranho, principalmente quando comecei a vivenciar as atividades para proteger o planeta. Ali conheci as pessoas e os profissionais mais incríveis, mais inspiradores e que de fato mudaram toda a minha trajetória, me apresentaram um mundo novo onde eu podia usar todo o meu talento para construir um mundo melhor. Aprendi sobre ativismo e participação. Depois de uma temporada na área financeira, administrativa e RH e acompanhando as buscas por um novo gestor de captação de recursos, pedi para experimentar. Sou uma eterna aprendiz. E então me descobri captadora de recursos, bem especificamente, aquisição, engajamento e construção relacionamentos significativos com os doadores. Entendi que cada um de nós pode mudar o mundo, o seu mundo primeiro e o nosso mundo através das mudanças de hábito e das doações. É indescritível a sensação de acordar todos os dias sabendo que o que você faz contribui para uma mudança real. É o meu trabalho dos sonhos – e que sorte que continuo vivendo esse sonho.
Tive um mentor incrível que me ajudou a trilhar esse novo caminho. Eu não estava pronta, mas sou curiosa, inquieta, intensa, aprendo rápido, busco soluções, já tinha a base de planejamento financeiro e como em uma nova aventura, coloquei toda a minha energia e foco para entregar o meu melhor, me joguei nessa nova oportunidade. Testar, experimentar, não ter medo de errar, aprender com a jornada, nem tudo precisa estar pronto, mas é necessário ter coragem para se jogar de cabeça, descobrir e trilhar o caminho. E com isso, os doadores chegaram, com baixo investimento e muita criatividade. Fiz parte de programas inovadores que além de recursos impactavam na mudança de consumo, isso 20 anos atrás. Mentoria, compartilhamento, rede internacional, inspirações de todo o lado e muito apoio para o meu desenvolvimento. Tenho muita gratidão por essa organização que admiro tanto e por todos que contribuíram com a minha jornada lá. Mais do que um trabalho, aprendi muito sobre mim, me fortaleci, conheci pessoas de diversos continentes, diversas culturas, liderei equipes e tudo o que aprendi, fortaleceu o momento da minha mudança. Uma crise institucional chegou e com ela optei por não continuar ali. Decidi passar uma temporada na Europa, antes de buscar um novo trabalho. Vivi intensamente essa experiência, até hoje agradeço todos os anos que passei ali, mas eu precisava de um reset. Sair, respirar, me sentir livre para poder fazer o meu melhor na próxima etapa da jornada. Eu estava segura que esse era o caminho, essa sensação era tão genuína, que volto na sensação de certeza absoluta que tudo vai dar certo no final e quando sinto que esse é o caminho, vou … e se estiver com medo, vou com medo mesmo com a cara e a coragem para viver novas experiências, aprender e seguir minha jornada.
Meses incríveis se passaram e voltei tão pronta que no dia seguinte da minha chegada, fui convidada para uma entrevista e menos de 1 mês depois já estava na ativa, fazendo o que amo, criando o programa de captação de recursos para outra organização internacional. Eu realmente amo todos os lugares que passei, todas as pessoas que conheci e que contribuíram para o meu desenvolvimento. Aqui não tinha dinheiro para investimento, então desenvolvíamos muitas parcerias. Aqui tive outras experiências incríveis e muitos aprendizados, principalmente em comunicação e storytelling. Parceiros que viraram amigos, convite para seguir carreira internacional. E foi a primeira vez que fui para a África. Depois de muitos anos, um amigo, me indicou para uma outra organização que queria iniciar a captação de recursos com pessoas físicas no Brasil e que tinha dinheiro para investir.
E na entrevista a pergunta decisória foi: qual é a sua proposta para captar R$1 milhão em 1 ano de pessoas físicas? Lembrete, a organização ainda não tinha equipe, nem infraestrutura, nem base, nem teste de comunicação, escritório, tipo, começando hoje do zero… a minha resposta foi … apesar de eu ser otimista e acreditar que posso transformar o impossível em possível, isso não vai acontecer. Não conto com a sorte no plano, mas se ela vier, chegamos lá, e assim… fui contratada. Começamos a trabalhar, o diretor executivo foi embora, as campanhas congeladas até a chegada do novo, como não podíamos fazer doadores, fizemos campanhas de comunicação, colocando pautas como violência na escola em evidência, ganhamos prêmios. Ainda continuávamos sem diretor, então sugeri fechar o escritório de captação até que tivesse alguma definição, me incomodava manter uma equipe sem resultado e sem perspectiva. Esse era o certo a fazer, mas não planejei muito o que eu iria fazer depois. Aqui também foi quando comecei a contribuir para a construção dos eventos da ABCR e apoiar de fato o desenvolvimento de novas captadoras e captadores de recursos.
Naquela época já existia o embrião do grupo de ONGs, contava somente com 8 participantes, organizações que trabalhavam com desenvolvimento. E nesses encontros conheci meu ex-sócio. Durante anos, nos encontramos nas reuniões trimestrais e quando estava saindo, ele tb estava saindo e pensamos, recebemos e ajudamos tanta gente que quer começar a captar com pessoas físicas, porque não abrimos juntos uma consultoria e lá fomos nós para uma nova empreitada, sem nunca ter sido empreendedora.
Uma nova aventura começou, agora como empreendedora no mundo da captação de recursos, a primeira foi uma consultoria, no início foi bem desafiador, mas 3 anos depois decolou. Tínhamos duas fortes parcerias uma de digital e outra de F2F. nessa época, eu já liderava o comitê científico da ABCR. Crescemos rápido, fizemos o set up de diversos programas de organizações internacionais e nacionais, tínhamos uma equipe de mais de 30 pessoas, 10 anos incríveis de abundância de conhecimento, troca, crescimento, desenvolvimento, e foi quando me tornei mãe. Esse é com certeza o momento mais importante. Tudo muda, minhas prioridades mudaram, minha forma de trabalhar, um dos meus maiores aprendizados é ser mãe da Rebecca. Olhar o mundo e ver o que estamos fazendo, faz com que a gente repense tudo, queira mais, como construir negócios regenerativos e distributivos. E aí, começa a etapa que estou agora, cofundei e lidero uma agência de F2f com o propósito empoderar pessoas para transformar as intenções de ajuda em impacto real na sociedade inspirando e engajando-as para restaurar a saúde dos indivíduos, das comunidades e do planeta para assim florescer e prosperar. Sou cofundadora da Conexão Captadoras, pois acredito que somente compartilhando e apoiando o desenvolvimento de mulheres, podemos ficar mais fortes para construir o mundo que eu gostaria para a minha filha com proposito e conexão. Também me tornei presidente do conselho da ABCR e assim posso também contribuir mais para o desenvolvimento de captadoras e captadores de recursos no Brasil.
Ser captadora de recursos faz parte da minha essência. Eu amo o que faço, contribuir para tornar o mundo um lugar mais verde, seguro e justo, gerando oportunidade para as pessoas doarem, ajudando quem doa, as organizações e os beneficiários, compartilhando o meu conhecimento para fortalecer captadoras e captadores de recursos a contribuir para um mundo melhor, me inspira e dá energia para sempre fazer mais. Essa jornada cheia de aprendizados e surpresas é incrível. E o melhor, sempre estou fazendo o que amo.
Com mais 20 anos de vivência no mundo da captação de recursos, sempre reflito sobre quem é uma captadora de recursos incrível? Acredito que não existe um perfil certo ou errado, existem muitas áreas e muitas habilidades diferentes para cada segmento, o mais importante é a vontade de aprender e de querer gerar impacto, fazendo a diferença no mundo. Todas as captadoras e captadores que admiro não tem formação na área de captação de recursos e me inspiram todos os dias a querer sempre aprender mais e mais com a mesma intensidade e vontade do primeiro dia.
Artigo escrito por Flavia Lang, presidente da ABCR, para a página do Conexão Captadoras no LinkedIn.