Na manhã de abertura do Festival ABCR 2024, uma das plenárias reuniu especialistas para discutir o desenvolvimento institucional das organizações sociais. A sessão contou com a presença de Rodrigo Pipponzi, presidente do conselho do Instituto ACP, Jéssica Martins, gestora de projetos socioculturais da PretaHub, e Tiana Lins, diretora da NESsT Brasil. O debate abordou os desafios e as soluções para garantir a sustentabilidade e a eficiência das organizações sociais no Brasil.
Rodrigo Piponzi iniciou a discussão falando sobre a experiência de sua família, que ao criar o Instituto ACP, decidiu focar no fortalecimento das capacidades de gestão e governança de outras organizações sociais. O Instituto ACP optou por desenvolver uma abordagem prática, oferecendo apoio técnico e financeiro para que as organizações sociais pudessem se estruturar adequadamente. “A gente percebeu que a gente podia trabalhar juntos. Não era sobre dinheiro”. Essa abordagem incluiu a criação da Plataforma Conjunta para compartilhar conhecimentos e experiências sobre desenvolvimento institucional, ajudando outras organizações a superar desafios semelhantes.
Rodrigo relatou que, inicialmente, muitas organizações não tinham clareza sobre como usar os recursos oferecidos para desenvolvimento institucional. “Quando a gente começou a ir atrás dessas organizações, lá no começo do primeiro ano, a gente percebeu que a maior parte delas não tinha planos”. Ele destacou que o Instituto ACP adotou uma postura colaborativa, trabalhando diretamente com as organizações para desenvolver esses planos e garantir que os recursos fossem utilizados de forma eficaz.
“Disso nasceu a nossa comunidade do design, por exemplo. Que era a nossa forma de começar, de estar experienciando organizações anteriores. E transformar esse conhecimento, que pudesse circular diferentes vezes”, disse Rodrigo. Ele enfatizou que apoiar o desenvolvimento institucional é um processo contínuo e de longo prazo, que requer paciência e compromisso tanto dos financiadores quanto das organizações beneficiadas.
Rodrigo também destacou a importância de construir narrativas poderosas para convencer financiadores a apoiar o desenvolvimento institucional. “A gente precisa reconstruir ou construir narrativas que consigam empoderar esse discurso, que consigam realmente trazer progressos,” afirmou ele. Segundo Rodrigo, uma das chaves para o sucesso é mostrar claramente os impactos positivos do desenvolvimento institucional, não apenas em termos de eficiência operacional, mas também no aumento do impacto social das organizações. “Desenvolvimento institucional não é um pedaço da conversa, é a conversa. Não existe, por exemplo, o que foi conhecido, se não houver recursos para o desenvolvimento institucional. Então a gente tem que naturalizar isso”.
Jéssica Martins trouxe a perspectiva da PretaHub, uma instituição dedicada ao desenvolvimento de empreendedores negros no Brasil. Ela destacou o processo de amadurecimento da organização, que começou a estruturar melhor suas finanças e governança a partir de 2016, com a obtenção de investimentos sociais privados. “Foi um momento que a gente, depois de praticamente 20 anos, conseguiu realizar a primeira teoria da mudança,” disse Jéssica.
A PretaHub enfrentou muitos desafios para se adequar às expectativas dos investidores, especialmente por ser uma organização ativista focada em questões raciais. “Como lidar com essa expectativa do mercado de ser uma alta ativista, pensando em questões raciais, dentro desse contexto brasileiro, em relação a esse racismo estrutural, e também se encaixar nesses moldes do modelo de negócio de investimento social privado e outros tipos de incentivos?” questionou Jéssica. Ela mencionou que a organização começou a acessar editais e a diversificar suas fontes de financiamento, o que permitiu melhorar a estrutura interna e proporcionar melhores condições de trabalho para a equipe.
Jéssica relatou que, a partir de 2016, a PretaHub conseguiu estabelecer um diálogo mais efetivo com investidores, o que possibilitou a implementação de uma governança mais robusta e a criação de processos internos mais eficientes. Ela também enfatizou a importância de incluir os custos indiretos nos orçamentos apresentados aos financiadores, explicando que essa é uma necessidade real para a sustentabilidade das organizações. “Hoje, a gente tem um diálogo muito pautado em olhar pra nossa equipe, pensar nesse movimento, não só também em ferramentas de gestão, coisas que vão trazer mais tanto de trabalho, mas também a questão de conhecimento,” disse Jéssica.
Ela concluiu sua participação enfatizando a importância de criar um ambiente de trabalho digno e sustentável para os colaboradores das organizações sociais. “Dentro desses quatro anos, a gente pôde perceber um aumento de qualidade de vida dos nossos colaboradores, porque, de fato, também é muita essa lógica de bom, criar esse projeto com esse recurso e com esse orçamento, mas sabendo que não estava vendo já algumas pessoas, principalmente no campo da tecnologia, de estrutura, de fato”.
Tiana Lins, por sua vez, abordou a questão do desenvolvimento institucional a partir de sua experiência na NESsT Brasil e em outras fundações. Ela enfatizou a importância de tratar as organizações sociais como organismos vivos que precisam de saúde para prosperar. “Eu enxergo o desenvolvimento institucional como um processo vivo no qual as organizações buscam amadurecer, buscam fortalecer a sua resiliência para que possam entregar esses resultados de uma maneira mais sustentável”.
Tiana apresentou o conceito do “Círculo de Inanição das ONGs”, um fenômeno estudado nos Estados Unidos que descreve o ciclo vicioso em que as expectativas irreais dos financiadores levam as organizações a cortar custos essenciais para sobreviver. “Os financiadores têm expectativas irreais do que é possível fazer com os recursos que são disponibilizados. As organizações sociais sentem pressão para se adequar a esse orçamento, cortam custos essenciais para sua sustentabilidade e acabam negligenciando a sua infraestrutura,” explicou Tiana. Ela argumentou que é crucial apoiar processos de desenvolvimento institucional para romper esse ciclo e garantir a saúde das organizações.
Tiana explicou que, para romper esse ciclo, é fundamental que os financiadores compreendam a importância dos custos indiretos e estejam dispostos a investir neles. “Nos Estados Unidos, esse nome foi criado em 2009 e é um ciclo que traz esse paralelo do corpo humano e das pessoas que vivem em situação de fome com as organizações sociais e que é um paralelo que cada vez que eu estudo, eu busco e encontro mais relações,” disse Tiana. Ela destacou que essa analogia ajuda a entender como a falta de recursos para infraestrutura pode levar a uma espécie de inanição das organizações, comprometendo sua capacidade de funcionar de maneira eficiente.
Ela também ressaltou que as normas sociais no Brasil influenciam mais do que nos Estados Unidos, devido às desigualdades profundas presentes no país. “As organizações pequenas, as organizações periféricas e as organizações lideradas por pessoas negras sofrem sim o ciclo de inanição em graus e intensidades maiores,” afirmou Tiana. Os palestrantes encerraram a plenária com um chamado à ação para que mais financiadores e organizações se unam na busca por soluções que fortaleçam o setor social como um todo.
Texto publicado pela Captamos, editoria da ABCR de conteúdos aprofundados sobre mobilização de recursos para causas