“Tão logo os políticos eleitos no final do ano passado, principalmente os deputados federais e senadores, estejam aclimatados nas suas novas posições, iniciaremos um forte e concreto movimento em Brasília na tentativa de sensibilizá-los para a criação de uma nova modalidade de cobrança, legítima e exclusiva, para o terceiro setor, o qual denominamos: BOLETO DE DOAÇÃO.”
Muito tem se falado ao longo dos últimos 3 anos sobre o fim do boleto sem registro. Em fevereiro de 2015 a Febraban, Federação Brasileira dos Bancos, emitiu uma circular comunicando o mercado que todas as empresas com e sem fins lucrativos que faziam uso dos boletos de cobrança sem registro estariam obrigadas a migrar para a modalidade registrada. Desde então inúmeras organizações do terceiro setor, atuantes nos mais diversos segmentos, começaram a se mobilizar e discutir os enormes impactos decorrentes dessa determinação.
Vale lembrar que segundo o Banco Central nas circulares 3.598/12 e 3.656/13, os boletos de pagamentos devem ser interpretados e separados em duas categorias distintas: Boleto de Cobrança e Boleto de Proposta. Segundo o BACEN, o Boleto de Proposta é aquele que deve ser utilizado obrigatoriamente pelas entidades do terceiro setor para captação de recursos via doação – importante frisar aqui que nas circulares não há menção alguma nesse sentido, ou seja, percebe-se um nítido vácuo no entendimento e regulamentação do órgão no tocante aos instrumentos financeiros de auxílio às doações.
Segundo pesquisa IDIS 2016, 42% das organizações da sociedade civil fazem uso dos boletos bancários para captação de recursos e, da mesma forma, estima-se um volume anual de recursos captados para o terceiro setor na ordem de R$13,7 bilhões; fazendo um cruzamento direto entre as informações, percebe-se que as doações via boleto podem representar um volume anual médio na ordem de mais de R$5 bilhões de reais – daí a enorme relevância e potencialidade de impactos do tema em questão.
Nos últimos dois anos, algumas organizações se uniram à ABCR para formar uma frente integrada de ação junto aos órgãos competentes – Congresso, Banco Central e Febraban –, num esforço conjunto denominado “Marco Bancário das Doações”, no intuito de buscar uma solução adequada e efetiva, para minimizar os impactos que seriam causados em decorrência dessa nova orientação; no entanto, infelizmente, poucas foram as respostas concretas até o momento.
Antes de aprofundar no atual cenário e possíveis alternativas, é válido explicar que a razão que levou o Banco Central, a Febraban e os Bancos a tomarem essa decisão é bastante plausível: o boleto sem registro estava sendo desvirtuado no seu uso e se tornando o passaporte para as pessoas corruptas e inescrupulosas realizarem fraudes e lavagem de dinheiro das mais diversas formas no mercado; e, infelizmente, ao que foi apontado, muitas delas atreladas às ONGs de fachada. Segundo dados da Febraban, ao longo dos últimos anos, acumulou-se mais de 1 bilhão de reais em perdas decorrentes dessas fraudes no sistema financeiro nacional.
O que não se esperava, no entanto, era que dentro dessa motivação legítima, o remédio adotado para matar um problema pontual também estaria pondo em risco uma parcela muito expressiva do terceiro setor; quem trabalha com boletos bancários sabe bem do que estamos dizendo. No quadro a seguir é possível ver com melhor detalhamento as implicações dessa mudança:
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VEJA AQUI as Principais Implicações com a Extinção do Boleto Sem Registro e Migração Obrigatória para os Boletos Com Registro:
- Multiplicidade de tarifas bancárias: enquanto antes os bancos cobravam apenas uma única tarifa bancária referente à compensação dos boletos, com a exigência do boleto registrado, as organizações agora devem redobrar a atenção nas negociações com os Bancos pois, provavelmente, as tarifas irão aumentar (e muito). São várias as tarifas acessórias que passam a vigorar, dentre elas: tarifa de registro, tarifa de baixa, tarifa de manutenção, tarifa de alteração, tarifa de liquidação, dentre outras (vide Glossário com a explicação em detalhe de cada uma delas). Os impactos aqui podem superar a casa dos 300% nos custos bancários.
- Obrigatoriedade do CPF do doador para poder emitir o boleto registrado.
- Obrigatoriedade da impressão do CPF do doador no corpo dos boletos registrados: com isso, aquelas entidades que utilizam os Correios para postar seus boletos na modalidade de Mala Direta Postal, ficam obrigadas a utilizar a modalidade Carta Comum pelo fato de haver identificação do indivíduo (CPF), o que exigiria a mudança de categoria, acarretando numa oneração extra nos custos de postagem em aproximadamente 200%.
- Novo formato chamado Boleto de Proposta: Com a nova exigência, segundo a circular do Banco Central, todas as organizações que fazem uso de boletos para captação de recursos estão obrigadas a utilizar o formato de boleto denominado Proposta, o que acarreta na inserção de novas informações (textos legais) e campos obrigatórios dos boletos. Percebe-se que muitos Bancos continuam utilizando o boleto de cobrança normal para essa finalidade, trabalhando às margens do que orienta o BACEN, no entanto vale redobrar a atenção pois quem estiver nesse formato poderá ser surpreendido do dia para a noite com a orientação de migrar para o Boleto de Proposta.
- Impressão de Valor no Boleto: no início estava determinado que todos os boletos fossem gerados com o valor previamente impresso no corpo dos boletos. #FICAaDICA: Sabe-se, todavia, que existe uma alternativa oferecida hoje pelos bancos para que seja registrado um range (escala) de valores no sistema no ato do registro dos boletos (eletrônico) e, com isso, pode-se deixar o campo em branco no Boleto impresso (para promover a doação espontânea). Caso o Banco não consiga parametrizar essa condição no seu próprio sistema, peça para utilizar o segmento Y53, permitindo o pagamento do boleto dentro desse range previamente cadastrado.
- Data de Vencimento e Tarifas: enquanto existia o boleto sem registro as entidades podiam continuar recebendo suas doações daqueles boletos pagos após o vencimento. Com o boleto registrado, conforme explicado anteriormente, apenas os boletos de cobrança poderão ser aceitos normalmente na rede bancária depois de vencidos. #FICAaDICA: Existe uma alternativa! Se a organização quiser receber a sua doação após o vencimento, ele deve negociar com o seu Banco parceiro para quando for registrar o Boleto, trabalhar com duas datas distintas: uma que será a data de vencimento efetivo do boleto no registro eletrônico do mesmo (nesse caso, você poderá colocar 60, 90, 120 dias por exemplo), e outra para que seja impressa no boleto – sem constar no registro eletrônico. Nessa dica, importante ficar claro que para os doadores optantes pelo DDA – Débito Direto Autorizado, a data que aparecerá no internet banking deles será a data do registro eletrônico, e não a que estará impressa no Boleto. Essa opção é muito útil para aquelas campanhas com prazo determinado (mensal, trimestral, etc), possibilitando que o boleto continue sendo pago após a data de vencimento impressa – sem que seja baixado/bloqueado pelo Banco e sem a incidência de tarifas assessórias, como a tarifa de manutenção.
- Autorização prévia documental (escrita ou audiovisual) por parte dos doadores, impossibilitando que sejam realizadas ações de prospecção com mailings de mercado.
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A denominada Nova Plataforma de Cobrança, proposta pela Febraban, trazia aparentemente uma enorme vantagem para todos os pagadores e beneficiários: enquanto o boleto sem registro não permitia o pagamento do boleto vencido em outros Bancos (apenas no Banco emissor), a cobrança registrada, dentro da nova obrigatoriedade, permitiria uma nova integração entre os bancos, chamada CIP – Câmara Interbancária de Pagamentos, possibilitando essa facilidade. O que acontece, todavia, é que esse benefício contemplava exclusivamente os usuários dos Boletos de Cobrança. O que aparentava ser uma vantagem mediante todas as implicações identificadas, no entanto, acabou indo por água abaixo para todas as organizações, uma vez que essa nova condição não valeria para os Boletos de Proposta.
Ao longo desses anos, a Febraban acabou se vendo obrigada a postergar por três vezes o cronograma de virada da nova cobrança, pois os Bancos não estavam conseguindo processar os mais de 4 bilhões de boletos dentro da CIP. (Fonte: Febraban) Desde novembro, a nova plataforma de cobrança começou a operar em todo sistema bancário nacional.
Mas e agora, o que fazer?
Mesmo com as negativas obtidas até o momento com o BACEN e Febraban, que pouco fizeram daquilo que foi pleiteado, não apenas pelas instituições que os acionaram individualmente, como também por dezenas de organizações da sociedade civil/ONGs organizadas conjuntamente com a ABCR, o esforço agora será para que uma vez que os novos políticos, principalmente os deputados federais e senadores tomem posse a partir de janeiro, que seja iniciado um movimento concreto e efetivo junto ao legislativo na tentativa de sensibilizar, principalmente o BACEN, para que edite a atual circular e crie uma nova modalidade de cobrança exclusiva para o terceiro setor, o qual denominamos BOLETO DE DOAÇÃO.
Sabendo que essas medidas são de médio prazo, veja algumas dicas para lidar e sobreviver até lá:
- a) Enriqueça a sua base de relacionamento com CPF: isso é primordial, afinal a exigência do CPF para os meios de pagamento se torna cada dia mais essencial e não tem como fugir disso. Para tal pesquise sobre empresas que atuam nessa área, fornecendo serviços de enriquecimento de dados com CPF.
- b) Demonstre conhecimento e saiba negociar bem com o seu Banco: muitas agências em todo o Brasil desconhecem a fundo a Nova Plataforma de Cobrança e suas implicações. Temos percebido vários Bancos com inúmeras dúvidas e dificuldades principalmente no tocante ao uso do Boleto de Proposta. Com as informações aqui partilhadas, você poderá sentar-se à mesa e estabelecer uma boa negociação, inclusive orientativa, com o seu gerente e envolvendo também outros Bancos, inclusive de menor porte. Explique os impactos das tarifas, procure negociar para ter exclusivamente uma única tarifa de liquidação, ou então, apenas as tarifas de liquidação, baixa e manutenção (para essa última, veja a dica dada no quadro acima sobre as datas de vencimento). Fuja da tarifa de registro, pois o custo acabará engolindo tudo aquilo que você trabalha tanto para arrecadar.
- c) Conheça e estude meios de pagamento alternativos: a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL lançou recentemente um produto chamado PEC Simplificado. Este poderá ser uma boa alternativa para receber as suas doações, principalmente daqueles doadores sem CPF – ressalta-se, todavia, que esta modalidade dificulta o controle de informações para ações de relacionamento/CRM e podem ocorrer exclusivamente nos canais Lotéricos da CAIXA.
- d) Meios tradicionais e novas tendências: não se esqueça de se manter antenado nos outros meios tradicionais de pagamento como débito automático em conta corrente, débito e crédito recorrente nos cartões, depósito em conta, e também, é claro, nas novidades que estão surgindo por aí com o crescimento acelerado do chamado mobile payment e outros serviços atrelados a tecnologia celular.
O cenário não é tão promissor no curto e médio prazo, no entanto temos que olhar para o futuro com a esperança e crença que tempos novos e prósperos virão. E o mais importante: quanto mais o terceiro setor se unir, maiores serão as conquistas para todos nós!
Glossário
Boletos de pagamento: são documentos usados pelos clientes dos Bancos para recebimento de valores diversos, comerciais (produtos ou serviços) ou também para doações – como é o caso em questão. Atualmente o BACEN defini duas modalidades de boleto de pagamento: BOLETO DE COBRANÇA e BOLETO PROPOSTA. Os boletos surgiram no País em 1993, por meio da Carta Circular nº 2.414, de 07 de outubro de 1993, com a atualização por meios das Circulares 3.598/12 e 3.656/13. Segundo informa a própria Febraban, qualquer pessoa física ou jurídica pode fazer uso dos boletos de pagamento, basta ter uma conta bancária e contratar o serviço junto ao banco.
Cobrança registrada: é um serviço oferecido pela rede bancária às empresas, profissionais liberais, entidades de classe, entre outros, que passam à instituição financeira informações referentes a uma determinada operação comercial ou não, para gerar os boletos de pagamento. Enquanto na cobrança sem registro você não é obrigado a enviar nenhuma informação prévia ao Banco sobre os seus doadores, com a cobrança registrada você deverá registrar eletronicamente cada um dos boletos, com vários dados cadastrais obrigatórios, dentre eles o CPF/CNPJ dos doadores/devotos/fiéis.
Emissor: instituição financeira contratada pela empresa para gerar os boletos de pagamento.
Beneficiário: pessoa física ou jurídica que contrata o serviço de cobrança na rede bancária.
Pagador: consumidor que adquiriu o bem ou serviço.
Tarifa de registro: refere-se ao valor que será cobrado pelo Banco para cada um dos boletos que registrar no sistema. Por exemplo, se você possui 1.000 boletos mensais, e o Banco estabelecer uma tarifa de registro de R$0,30, logo você pagará R$300,00 por mês.
Tarifa de liquidação: refere-se ao valor que será cobrado pelo Banco para cada um dos boletos que forem pagos. Por exemplo, se dos 1.000 boletos gerados, apenas 300 forem pagos, considerando uma tarifa de liquidação hipotética de R$4,00, logo você pagará R$1.200,00.
Tarifa de baixa: refere-se ao valor que será cobrado pelo Banco para cada um dos boletos não pagos e que você precisará encerrá-los no sistema do Banco (ou seja, baixa-los). Por exemplo, se você considerar que dos 1.000 boletos gerados sobraram 700 sem pagar, considerando uma tarifa de baixa hipotética de R$0,50, logo você terá que pagar R$350,00.
Tarifa de manutenção: refere-se ao valor que será cobrado pelo Banco caso você deixe os boletos para serem pagos após o vencimento, mantendo-os em aberto no sistema para pagamento. Por exemplo, se você quiser deixar os 700 boletos não pagos em aberto para que o doador possa pagá-lo após o vencimento, considerando uma tarifa de manutenção hipotética de R$1,00, logo você irá pagar R$700,00 por esse serviço.
Tarifa de alteração de registro: refere-se ao valor que será cobrado pelo Banco caso você queira alterar algum registro já realizado no sistema. Por exemplo: você gerou e registrou o boleto com data de vencimento errada e resolveu arrumar posteriormente; para isso o Banco irá cobrar uma tarifa também salgada de você.
Nova plataforma de cobrança: para saber todas as regras da nova plataforma de cobrança, basta acessar o site: www.bnb.gov.br/documents/22492/35741/Febraban_NovaPlataformaCobranca_Comunicado_FB_144-2016-Anexo_II/cc45a737-d5b2-8691-b6b7-45dfc986c9af
Marcos Spalding é Diretor de Marketing e Negócios do Santuário Nacional de Aparecida.
E.mail: marcos.spalding@santuarionacional.com