No momento, você está visualizando Apesar de mudanças nas leis sobre remuneração de dirigentes, tema ainda provoca incertezas no terceiro setor
checking accounts with a calculator

Apesar de mudanças nas leis sobre remuneração de dirigentes, tema ainda provoca incertezas no terceiro setor

  • Autor do post:
  • Categoria do post:Captamos
Algumas Organizações da Sociedade Civil (OSCs) apresentam orçamento digno de uma empresa de grande porte e desenvolvem projetos com logística comparável às mais complexas operações privadas. Ainda assim, durante muito tempo, a remuneração de dirigentes do terceiro setor foi vetada, o que representou um entrave à profissionalização da gestão na área. A permissão legal para remunerar diretores de instituições filantrópicas é relativamente recente, não tem sequer 20 anos. Apesar desse avanço, ainda há muitos ajustes a fazer.

“Herança da década de 30, a proibição carregava a ideia de que as pessoas que ocupam cargos de diretoria nas organizações sem fins lucrativos deveriam fazê-lo de modo voluntário ou gratuito, bem como a falsa ideia de que a finalidade não lucrativa da organização abrangeria a vedação de qualquer remuneração neste sentido”, explica a professora de direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e advogada Aline Gonçalves de Sousa, do escritório Szazi, Bechara, Storto.

A primeira norma a impedir que os gestores recebessem pelo trabalho desenvolvido nas entidades foi a lei 91, de 1935, que definia as regras para concessão do Título de Utilidade Pública Federal — permitia que as organizações tivessem benefícios fiscais e obtivessem doações incentivadas de empresas.

A lei 9.532, de 1997, reforçou essa posição, afirmando que receberiam imunidades tributárias apenas as organizações de educação e de assistência social que não remunerassem dirigentes. Já a lei 12.101, de 2009, estabeleceu a mesma proibição, mas em relação às entidades que pleiteassem o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas).

Ao longo dos anos,  esse tipo de barreira atrapalhou o desenvolvimento do setor social privado brasileiro, “pois as imunidades e isenções tributárias correspondem a uma importante parcela da sustentabilidade da maioria das OSCs, bem como eram condição para firmar contratos com o Poder Público, que, em alguns setores, correspondem a mais de 50% dos atendimentos”, destaca a advogada Nicole Hoedemaker, assessora jurídica da Associação Paulista de Fundações (APF).

Novo entendimento

A primeira mudança de entendimento sobre o tema aconteceu em 1999, a partir da Lei 9.790,  que regula as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips). Ao entrar em vigor, a legislação autorizou a remuneração de diretores de Oscips, “desde que fosse respeitado o limite estabelecido para a remuneração de servidores do Poder Executivo Federal”.

Cerca de quatro anos depois, a Lei nº 12.868, de 2013, possibilitou a remuneração dos dirigentes estatutários, desde que em valor bruto inferior a 70% do limite estabelecido para servidores do Poder Executivo Federal. Já a Lei nº 13.151, de 2015, permitiu que fundações e associações assistenciais pagassem seus gestores, respeitados como limites máximos os valores praticados pelo mercado na região de sua área de atuação.

As normas que liberam a remuneração, no entanto, não foram suficientes para colocar um ponto final nas discussões em torno do tema. Como ressalta a professora de direito da FGV, “tendo em vista que as regras para permissão foram editadas de maneira gradual, e não totalmente integrada, há ainda um desafio de harmonização e esclarecimento de alguns conceitos”.

A assessora jurídica da APF é ainda mais incisiva: “Muitas OSCs ainda optam por não remunerar dirigentes, pois o Poder Público insiste em ‘interferir’ na administração das entidades, gerando insegurança jurídica quanto à possibilidade de perda das imunidades e isenções por dificuldade de interpretação ou, pior ainda, de aplicação dos limites impostos pelas leis”.

Mesmo com todas as críticas, Nicole reconhece a importância dos avanços nos últimos anos. “A principal consequência foi a maior profissionalização das OSCs, permitindo remunerar seus gestores, que assumiam muitas responsabilidades sem qualquer contrapartida.”