O então presidente da ABCR, João Paulo Vergueiro, comentou durante evento recente que não faria sentido existir uma graduação em captação de recursos, que a formação ocorre depois. Concordo, presidente. Mas e se houvesse?
Fácil pensar no vestibular. A primeira fase: testes de português, matemática, inglês, história, geografia, etc. A segunda fase: matemática aplicada – orçamento e prestação de contas; história e geografia – descrição de uma comunidade parceira em um projeto social; redação – “apresente a ONG de seus sonhos a um potencial doador”. A terceira fase – sim, terceira fase! – é prática: captou pra uma obra social indicada pelo vestibular, passou. Vagas reservadas pra quem captar mais recursos, vagas pra quem conseguir o maior PAItrocínio, vagas pra quem for mais criativo, vagas pra quem fizer o melhor crowdfunding, vagas pra quem mobilizar mais amigos, etc.
O curso? Uma boa mistura de administração, sociologia, contabilidade, comunicação, filosofia, teatro, letras e gestão de terceiro setor (peraí, também não tem graduação em gestão de terceiro setor? fácil pensar em outro vestibular…). As disciplinas gerais formam alguém que entende a sociedade onde irá trabalhar e que tem capacidade de atuar pra transformar essa realidade. As disciplinas específicas de captação de recursos dão os meios pra fazer essa diferença, com técnicas e estratégias pra mobilização de recursos para causas e projetos em que acredita. E a mistura boa que vem de juntar tudo isso: marketing social; psicologia de doadores; finanças para captadores: orçamento e prestação de contas; ética: filosofia e prática. Para quem já dominar minimamente o inglês: aid, development and international fundairising.
É claro que um curso desses não forma todo mundo igual – os captadores não fazem tudo a mesma coisa, os formandos não precisam ser robozinhos saídos do mesmo molde. Deve ter especializações, trilhas: captação com indivíduos, com empresas, com governo; geração de renda e venda de serviços; consultoria e prestação de serviços pra fundraising; cultura de doação etc. Eletivas: gestão de voluntariado; callcenter e captação por telefone; crowdfunding (quer dizer, essa já é obrigatória, né?); SICONV: o que é, como usar; eventos de captação; storytelling; escrita de cartas de solicitação e de agradecimento – técnicas avançadas etc.
O curso segue o padrão, é claro, de outras graduações – temos que captar a aprovação no MEC. Mas o ministério vai ter que aceitar uma diferença: as aulas só acontecem por quatro dias na semana. O 5o dia – 20% do curso – é na prática voluntária: o estudante escolhe a cada semestre uma ONG, comunidade ou projeto pra ajudar no desenvolvimento institucional. O começo é aquele que a gente conhece: fazer captação na rua; escrever e responder emails; alimentar redes sociais; fazer ligações solicitando contribuição. Aos poucos aparecem outros desafios – escrever um projeto, planejar campanhas, fechar um relatório de prestação de contas. A partir do 5o semestre, pode até apresentar um projeto de ser voluntário no seu próprio e nascente negócio social, se tiver perfil empreendedor: mobilizar fundos para sua ideia! Aprender com a teoria, claro. Mas aprender na prática e com a prática voluntária, sem dúvida: imprescindível.
Um dos pontos mais importantes de criar uma graduação nova é incentivar a pesquisa na área, em especial quando ela acontece em parceria entre professores e alunos. E como somos carentes disso aqui no Brasil! Que fantástico imaginar os seguintes relatórios de iniciação científica: “O que motiva o doador brasileiro? uma análise exploratória”; “História da captação de recursos no Brasil: sangue, suor e projetos”; “Um perfil dos captadores de recursos especializados em grandes fortunas”; “Técnicas inovadoras de financiamento para Oscips: 3 estudos de caso”. Cada TCC que poderia surgir… Além das monografias teóricas, os aplicados: “estruturando um departamento de desenvolvimento institucional na ONG amigos do bem”; “chega de apagar incêndio: um plano anual de mobilização de recursos”.
Por falar em professores, quem seriam? Mestres e doutores, é claro. Mas não só acadêmicos: doutor da alegria? vale! Mestre em fazer alguém parar na rua só por 2 minutos e conseguir um novo voluntário ou sócio-contribuinte? vale! Ongueiro voluntário, consultor aposentado, ativista no sabático de suas campanhas? vale, vale e vale!
Oportunidades de estágio e trabalho não vão faltar, certo? O que a gente mais vê nas seções do redeGIFE, do site da ABCR e dos grupos de terceiro setor no facebook e no linkedin é ONG querendo estagiário e assistente de captação de recursos. 100% de empregabilidade, fácil. Bons salários que o próprio captador não tenha que captar, já são outros quinhentos. Ninguém disse que ia ser fácil desenvolver o setor, o mercado de trabalho e a cultura de doação, tudo junto e misturado: é o que tem pra hoje.
Ainda falta discutir o perfil do estudante ideal. Quando a gente lê de outros cursos, falam-se de habilidade, atitudes e vocações. Aqui acho que dá pra resumir no seguinte – até vira o slogan pra conseguir a primeira turma. Procura-se: gente que quer mudar o mundo. Mas não sozinho: em bando!
Depois de um tempo, não só uma graduação isolada: muitas universidades e faculdades criando suas graduações, um campo inteiro se formando, se organizando e defendendo melhorias pra profissão e pras organizações da sociedade civil. É, até que não é má ideia… Será que se a gente mandar um projeto pra Fundação Ford, ainda tem verba pro orçamento desse ano?
Fernando Nogueira – professor (FGV-EAESP, ESPM), colaborador voluntário da ABCR e ativista – fnogueira14@gmail.com.