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Opinião – Cumprir metas de ESG com dinheiro dos outros não é ser socialmente responsável

Por Fernanda Dearo, associada da ABCR, especialista em alianças efetivas entre empresas e ONGs em projetos sociais, culturais, esportivos, terceiro setor, responsabilidade social, ESG e captação de recursos.

Se você é um conselheiro ou executivo de Responsabilidade Social, ESG, ou está envolvido em departamentos como relações com a comunidade, compliance, e até comunicação de uma empresa privada, por favor leia esse artigo!

Pode parecer intrigante o título acima. Mas infelizmente é uma realidade de muitas empresas grandes e de renome, que com o dinheiro das ONGs, dos artistas, atletas e de produtoras, e também dos captadores de recursos profissionais, encontraram a saída para economizar em seu time de ESG e incrementar seu relatório de impacto social.  Afinal o maior impacto causado nessa situação, é tirar recursos do social e de profissionais, para beneficiar a iniciativa privada e a sua bondosa imagem. 

O famoso ESG – que vem do inglês Environmental, Social and Governance, que, em tradução livre, significa ambiental, social e governança, reúne um conjunto de critérios ambientais, sociais e de governança de uma empresa, sendo essencial nas análises de riscos e nas decisões de investimentos¹. O “Social”, que engloba as ações de caráter social que vão da filantropia até o investimento social privado – o repasse de recursos voluntário por parte das empresas aos projetos sociais de forma organizada e monitorada, transformada depois em relatório de impacto social, vem ganhando espaço, buscando cada vez mais especialistas no mercado e principalmente, utilizando as leis de incentivo fiscal. 

Ainda dentro do conceito de investimento social privado, temos o formato “patrocínio” que pode ou não ser incentivado por dedução de imposto por meio das muitas leis de renúncia fiscal espalhadas pelo país. Os incentivos ao investimento social privado via dedução de impostos, oferecidos pelas Leis de Incentivo Fiscal são muito importantes e válidos. Algumas leis são super completas e movimentam milhões na economia. Muitas ONGs e projetos sociais, artistas e profissionais do esporte, da cultura, da assistência social, vivem e dependem desse tipo de recurso incentivado. A captação de recursos exige conhecimento e comprovação.  

Por sua vez, as empresas privadas optantes pelo lucro real, além do incentivo de democratizar acesso à cultura e esporte, melhorar as comunidades locais, apoiar ações de assistência social, e fazerem o “bem” com a simples decisão de aportar parte do seu imposto devido em projetos sociais, encontraram nas leis de incentivo fiscal a oportunidade de tornar pública a sua boa ação e atrelar sua marca à ações bem interessantes. Até aqui, tudo perfeito, justo e louvável.

Porém, receber um projeto social, avaliá-lo e entender se pode ser interessante para as diretrizes da empresa, monitorá-lo e negociar contrapartidas de visibilidade da marca da empresa, usar a comunicação do projeto em seu favor e ainda acompanhar todo o processo de patrocínio e repasse de recursos até um relatório final, são atividades que demandam profissionalismo, conhecimento no tema, tempo e dinheiro. Ou seja, investir no social via incentivo fiscal pode dar um certo trabalho também. Até aqui nenhuma surpresa.

Tanto que as empresas têm se organizado nesse sentido e algumas possuem área de responsabilidade social, relações institucionais, relações com a comunidade e outros diversos nomes que dão a esse departamento que recebe os projetos (e os encaminha quando há governança – para um comitê de seleção de projetos). Mesmo com departamentos, a maioria das empresas contratam consultores e agências para apoiar todo esse processo. E isso custa dinheiro. Até aqui, tudo na mais perfeita paz.

O que tem se mostrado imoral e inaceitável é o acordo feito com essas agências e consultores. Ao invés de remunerá-los por sua hora de trabalho, pacote de serviços ou contratos claros sobre o serviço, as empresas são surpreendidas e/ou conquistadas por esses profissionais com propostas “grátis”. A agência e/ou consultor contratado pela empresa, assume o lugar de “avaliador de projetos incentivados” e é responsável por todo o processo, desde a decisão do que patrocinar, avaliar o projeto, conversar com o proponente do projeto, negociar contrapartidas até fechar o acordo de patrocínio incentivado pela bagatela de R$ 0,00 para a empresa. Não é um excelente negócio? 

Você deve estar se perguntando, como essas pessoas/agências contratadas por essa empresa privada optante pelo lucro real são remuneradas por todo esse trabalho se só atuam com recursos incentivados, e projetos incentivados se esse tipo de projeto não prevê remuneração para serviço de ESG, consultoria de avaliação de projetos e demais serviços que beneficiam a empresa patrocinadora?

A resposta é triste. E a remuneração pode ser variada:

  1. Algumas leis de incentivo fiscal preveem uma comissão que varia de 1 a 10% do valor total do projeto para captadores de recursos e/ou elaboradores de projeto. Em sua maioria para captadores de recursos. E há teto de remuneração. Essa remuneração precisa ser prevista no escopo do projeto antes de sua aprovação, e então aprovada pelo órgão que aprova o projeto. A opção mais utilizada por essas agências/consultores é emitir uma nota de captação de recursos para o proponente do projeto e ser remunerado por escolher o seu projeto para aquela empresa que o contratou para isso. Nesse caso, o captador de recursos fica sem a sua remuneração, a não ser que ele queira dividir sua comissão a agência. 
  2. Essa segunda opção é ainda pior. Em comum acordo com o proponente do projeto, e sempre com o discurso de que a empresa não paga nada por esse serviço a agência sugere generosamente que o proponente do projeto apresentado escolha outra rubrica como comunicação ou administração dentro do orçamento aprovado do projeto – porque a agência tem todos os CNAES necessários para isso – e esse pedaço do projeto é então repassado à agência que trabalha para a empresa que irá patrocinar tudo isso com dinheiro incentivado de renúncia fiscal. 

Em resumo, a empresa privada “paga” indiretamente o serviço desta agência com o dinheiro do proponente do projeto que ela patrocinou via renúncia fiscal. E esse patrocínio, que deveria acontecer pura e simplesmente porque o projeto é bom, porque o projeto interessa para a empresa, acontece porque ele aceitou repassar uma parte do dinheiro que receberá para a agência que intermediou o processo, sem cobrar nada da empresa que lhe deu o direito de representá-la, bem como seus interesses. Ou seja, vantagem indevida. 

Além disso, é preciso lembrar que a maioria das leis de incentivo não permite comissionamento ao captador de recursos. O que significa que a maioria dos orçamentos de projetos aprovados precisarão “encaixar” essa remuneração em sua prestação de contas de forma “mascarada”. Nesse caso a agência tem uma resposta imediata quando questionada: seu trabalho é tão bem feito que ela se encaixa em diversas rubricas e não se preocupa com a nota fiscal, pois ela tem diversos CNAES e pode emitir nota fiscal de vários serviços para se encaixar. 

Ou seja, se você quiser ser patrocinado pelas empresas representadas por essas agências, precisará negociar parte do valor de seu projeto com elas e mascarar sua prestação de contas, ou no mínimo engolir um dos serviços que ela fará questão de tornar imprescindível ao seu projeto e pagar por ele. Enquanto isso, as empresas defendem que essas agências têm muito conhecimento em impacto social. 

Por favor, se você é um executivo de ESG, de responsabilidade social corporativa, do compliance de grandes empresas, incentive o investimento social privado e o uso das leis de incentivo, mas entenda que quando um serviço é oferecido de graça, sempre terá alguém menos poderoso, desinformado ou desesperado pagando por ele. E assim, a história se repete.

MANUAL do investimento social privado incentivado para empresas:

  1. Investir em projetos sociais através de leis de renúncia fiscal é legal e moral. Não deixe os recursos incentivados da sua empresa sem destinação. Existem muitos projetos interessantes que precisam do seu apoio e a economia também gira graças a eles. 
  2. Entenda os atores de um processo de renúncia fiscal:

– Proponente é a ONG, artista ou profissional da área, ou produtora cultural que propôs o projeto para a lei de renúncia fiscal, e se o projeto chegou até você aprovado na lei, tem uma página do Diário Oficial que comprova isso ou um certificado de captação de recursos válido que informa, inclusive, até quando sua empresa pode aportar o recurso. 

– Um projeto aprovado em lei de renúncia fiscal sempre terá uma conta especial para receber o recurso ou um boleto via Secretaria da Fazenda (leis estaduais) para que sua empresa deposite ou faça a doação e/ou patrocínio. Nenhum recurso deve ser pago diretamente para captadores de recursos e/ou intermediários. É da conta do projeto que sai qualquer recurso de acordo com o orçamento pré-aprovado. A movimentação dessa conta é a espinha dorsal da prestação de contas.

– Captadores de Recursos não são lobistas, são profissionais que intermediam negociações e devem estar presentes desde o planejamento de captação de recursos desse projeto até a finalização do patrocínio. É por isso que são remunerados. E na ausência de permissão de encaixar o serviço de captação de recursos em algum projeto porque a lei não permite, como é o caso de leis estaduais de incentivo fiscal, o proponente do projeto paga o captador com recursos que não estão interligados ao projeto, ou seja, do bolso. Uma empresa não deve pagar nada para esse captador de recursos, ele é contratado do proponente do projeto. Não tem como ganhar dos dois lados. 

– No site da ABCR-Associação Brasileira de Captadores de Recursos, existe o código de ética de captação de recursos, vale a leitura: https://captadores.org.br/codigo-de-etica/ 

  1. Na dúvida, entenda que um bom trabalho sempre é remunerado. 

¹Pacto Global – ESG: Entenda o significado da sigla ESG (Ambiental, Social e Governança) e saiba como inserir esses princípios no dia a dia de sua empresa

 

As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a posição oficial da ABCR. Se você é membro associado, também pode participar enviando sugestão de artigo com até 3 mil caracteres para abcr@captadores.org.br 

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