Resumo da matéria:
Nos últimos anos, o desenvolvimento institucional (DI) das organizações da sociedade civil (OSCs) tem ganhado relevância crescente no cenário da filantropia brasileira. No entanto, ainda há uma lacuna de conhecimento que oriente de forma qualificada as decisões estratégicas das OSCs e dos agentes financiadores. Com o objetivo de preencher esse espaço, a pesquisa “Desenvolvimento Institucional – Estudo sobre Jornadas e Recursos Disponíveis”, realizada pela Plataforma Conjunta, buscou mapear e analisar as ofertas de apoio ao DI das OSCs no Brasil, apresentando um retrato inicial das oportunidades disponíveis. A ABCR é parceira da Conjunta e membro do Comitê Consultivo Colaborativo.
O desenvolvimento institucional é entendido no estudo como um processo que visa não apenas o aprimoramento técnico das organizações, mas também a promoção de sustentabilidade, autonomia e capacidade de intervenção de longo prazo. Este fortalecimento busca contribuir para a redução das desigualdades, promovendo transformações estruturais no âmbito jurídico, político e cultural, fundamentais para uma sociedade civil mais inclusiva e resiliente.
A pesquisa mapeou 297 iniciativas de desenvolvimento institucional em todo o país, sendo que 145 delas estão relacionadas a jornadas formativas (JF) e 87 a oportunidades de acesso a recursos financeiros (RF). O levantamento visou oferecer uma compreensão preliminar das tendências, padrões e lacunas dessas ofertas. Entre os principais achados, destaca-se que a maior parte das oportunidades de jornadas formativas são cursos, com durações que variam de 1 a 170 horas. Essas iniciativas, em sua maioria, são oferecidas de forma gratuita, com 75% das jornadas mapeadas sem custos para os participantes. Além disso, foi observada uma crescente utilização de plataformas como o WhatsApp para a disseminação de conteúdo, estratégia adotada para aumentar a acessibilidade e a inclusão digital em regiões onde a conectividade é limitada.
Entretanto, apesar da diversidade de oportunidades formativas, a pesquisa revela que a maior parte dessas jornadas se concentra no aprimoramento técnico das organizações, com pouca atenção dada a aspectos culturais e políticos do desenvolvimento institucional. Esse foco restrito pode limitar a capacidade das OSCs de se envolverem em debates mais amplos, como os relacionados aos direitos humanos, que, embora amplamente reconhecidos como importantes, são pouco explorados nas formações oferecidas. Outro ponto de destaque é a falta de clareza em relação ao público-alvo das jornadas, muitas vezes não se distinguindo se o foco está na organização como um todo ou no desenvolvimento individual dos profissionais que fazem parte dela.
A maior parte das iniciativas de financiamento para o desenvolvimento institucional é conduzida por fundações independentes e familiares. De todas as oportunidades de acesso a recursos financeiros mapeadas, 75% são financiadas por essas entidades, o que inclui institutos, fundações familiares e institutos empresariais. A pesquisa evidencia que essas iniciativas são distribuídas de forma bastante desigual geograficamente: 62% estão concentradas no Sudeste, particularmente nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, regiões onde também se concentram as sedes dessas fundações.
Apenas 1% das iniciativas está localizada no Norte do país, enquanto o Nordeste e o Centro-Oeste apresentam números ainda baixos, com 3% e 7% respectivamente. Já 20% das iniciativas de financiamento são internacionais, revelando uma importante participação de atores externos no apoio ao desenvolvimento institucional no Brasil.
Além disso, a pesquisa aponta que a maioria das oportunidades de financiamento oferece recursos financeiros flexíveis, com valores que variam entre 5 mil reais e 199 mil reais. Esses recursos são considerados “livres”, o que significa que as organizações têm a liberdade de decidir como utilizá-los, seja para o fortalecimento institucional ou para projetos específicos.
Contudo, um dos desafios identificados pelo estudo é a curta duração dos apoios financeiros. Aproximadamente 40% das iniciativas duram apenas 12 meses, e poucas oferecem a possibilidade de renovação. Isso dificulta o planejamento estratégico a longo prazo das OSCs, que muitas vezes dependem de apoio contínuo para consolidar suas ações. A pesquisa também revela uma lacuna em termos de transparência nos processos de seleção para o financiamento. Em muitos casos, os critérios de elegibilidade e avaliação não são claramente apresentados.
O estudo destaca que temas de justiça social e direitos humanos estão no centro das iniciativas financiadas, com um em cada três programas de acesso a recursos priorizando OSCs que atuam nessas áreas. No entanto, o estudo também questiona se essas iniciativas estão realmente atingindo o potencial necessário para promover uma mudança estrutural. Há um reconhecimento da necessidade de se abordar essas questões com maior profundidade, mas muitas das formações ainda se concentram em abordagens superficiais e não oferecem um suporte contínuo que permita uma implementação efetiva das mudanças.
A pesquisa da Plataforma Conjunta conclui com um conjunto de reflexões e sugestões para melhorar as ofertas de apoio ao desenvolvimento institucional. Um dos principais pontos levantados é que os financiadores adotem políticas afirmativas que priorizem regiões sub-representadas, como o Norte, Nordeste e Centro-Oeste, levando em consideração os contextos e culturas locais. Outra sugestão é que os financiadores ofereçam apoios multianuais, permitindo que as organizações possam se planejar melhor e implementar suas estratégias de forma mais eficaz. O apoio a longo prazo é importante para garantir a sustentabilidade das OSCs e permitir que elas alcancem resultados mais duradouros.
A pesquisa também recomenda que os processos sejam mais transparentes, com a disponibilização de informações claras sobre como as organizações podem participar e quais são os requisitos necessários. Isso incluiria orientações detalhadas sobre como as OSCs podem maximizar suas chances de sucesso nas candidaturas e sobre a possibilidade de renovação do apoio financeiro.
No que diz respeito às jornadas formativas, o estudo sugere que elas deveriam ter uma abordagem mais integral, incluindo aspectos políticos e culturais do desenvolvimento institucional, oferecendo uma visão mais ampla e sistêmica para as OSCs. Outro ponto destacado é a necessidade de aprimorar a avaliação dos resultados das iniciativas de apoio. A pesquisa constatou que há uma carência de dados sobre os impactos dos financiamentos no fortalecimento das OSCs a longo prazo. Portanto, a sugestão é implementar mecanismos de monitoramento e avaliação que permitam medir os resultados e aprendizados dessas iniciativas. Isso beneficiaria tanto as OSCs quanto os financiadores, ao permitir ajustes nas estratégias e maximizar o impacto social.
O fortalecimento do engajamento em rede também foi apontado como uma oportunidade de avanço. A pesquisa sugere que, além de cursos e formações pontuais, os financiadores incentivem o fortalecimento de redes e parcerias entre as OSCs. Isso pode ser feito por meio da criação de comunidades de prática, onde as organizações possam trocar experiências, aprender umas com as outras e colaborar de maneira mais eficiente. O engajamento em rede tem o potencial de amplificar os resultados das iniciativas e aumentar o impacto coletivo.
Por fim, a pesquisa levanta uma reflexão sobre a inovação no campo do desenvolvimento institucional. Embora a inovação seja frequentemente mencionada nas ofertas de financiamento, a pesquisa questiona se as OSCs estão realmente sendo capacitadas para inovar, ou se o termo está sendo tratado de forma superficial. Para que a inovação seja efetiva, é necessário que as OSCs tenham acesso a ferramentas e financiamento para projetos-piloto, além de operar em um ambiente que incentive a experimentação e a gestão de riscos. O apoio a projetos inovadores deve ir além da teoria e incluir a criação de condições reais para que as OSCs possam testar novas abordagens e soluções.
Texto publicado pela Captamos, editoria da ABCR de conteúdos aprofundados sobre mobilização de recursos para causas